A revolução transetária

A revolução transetária é nativa do mundo transitório. Uma revolução que emerge da construção de identidades que não mais se enquadram nas faixas etárias categorizadas pelos estudos demográficos.

Viver no mundo sem idade é para todos,   não somente para os mais velhos. Porque as limitações etárias afetam a todos. Já somos seres transetários: indivíduos em transição de tempos, entre idades. A pensar na velocidade do tempo transitório, é bem provável que seja mais uma nova palavra a ser incluída em breve no nosso dicionário oficial.

É disso o que trata a revolução transetária: do potencial do que somos, não do que deveríamos ser pela idade, como estabelecem as classificações geracionais.

Vida transetária

Transetários são todos aqueles que vivem no mundo transitório das idades que se mesclam pela alta longevidade e pela tecnologia. Não permitem que limitações lhes sejam impostas pela idade registrada em suas certidões de nascimento.

Buscam superar a idade fisicamente (através de intervenções estéticas ou medicamentos rejuvenescedores), psicologicamente (através da incorporação de novos estilos de vida), filosoficamente (incorporando novos valores a mentes antes fossilizadas).

Nesse caso, superar a idade não é apenas superar as barreiras impostas pela velhice e transmutar-se num eterno jovem. Diz respeito a escolher a idade que melhor lhe traduz em diferentes momentos e contextos.

Você pode estar na faixa dos cinquenta e trabalhar com jovens empreendedores numa startup; seu estado relacional pode lhe fazer sentir-se mais jovem ao lado deles e eles por sua vez, sentirem-se mais experientes só de ficar ao seu lado.

Você também pode ter 20 anos com pais cinquentões bem louquinhos, daqueles que costumam surpreendê-lo a cada dia, e daí você não aguenta e dá puxões de orelha nos velhos assanhados e manda tomar juízo da próxima vez.

Uma outra situação é viver a vida como se não houvesse o tempo. De repente se depara com uma matéria na revista semanal que apresenta um infográfico multicolorido mostrando faixas etárias correspondentes a diferentes classificações. Você olha e se assusta com uma faixa etária que descobriu que é sua, e se incomoda, porque nada tem a ver com você.

Já somos seres transetários (Crédito: Shutterstock)

As classificações etárias têm sido utilizadas desde os anos 90 por pesquisadores e profissionais de marketing com objetivos mercadológicos para segmentação de produtos e serviços e geração de lucros em todos os setores da economia. Os fundamentos sociológicos e demográficos (raramente psicográficos) utilizados nessas classificações já não estão mais traduzindo a complexidade humana.

Revolução transetária

Os fabricantes podem estar perdendo grandes oportunidades de inovação por uma visão estreita do que são os consumidores. Somos muito mais que classificações por nomes e letras. O mundo é outro e a longevidade humana horizontaliza as relações entre todos. Uma revolução já está mudando as relações sociais entre todas as idades, fazendo transcender as classificações etárias cujo sentido tem perdido força porque:

  • O fenômeno da longevidade crescente horizontaliza o relacionamento e derruba limites entre as idades
  • Será que as crianças que estão nascendo vão continuar querendo ser etiquetadas por mais uma letra que estão pensando em criar?
  •  Na história grega antiga já se viam os velhos como aqueles que sobravam, sem poder mais ostentar os belos corpos  nem ter onde ficar. Com o advento da hiper-longevidade e dos avanços da medicina regenerativa, poderemos estender nossa juventude e nosso prazo de vitalidade. Portanto, essa visão hedonista do envelhecimento está enfraquecendo. O vovô coach de carreira de jovens e o geek mentor tecnológico de adultos são arranjos sociais que terão cada vez mais espaço no futuro.
  •  Virtualizamos nossas existências no mundo online e nos juntamos muito mais por valores. Interesses e conteúdos do que por idades, como se fôssemos tribos flutuando no tempo. Tanto o arquiteto de 75 e o engenheiro de 24 utilizam o software AutoCAD para projetar edifícios, são interesses comuns. Assim como em plataformas de open innovation, o técnico de laboratório de 85 e o estudante de 13 podem descobrir uma molécula. Tanto o técnico quanto o estudante não vão deixar a plataforma por causa da enorme diferença de idade entre eles; pelo contrário, irão sentir-se cada vez mais atraídos pela complementaridade que um exerce sobre o outro. É a ciência e não a idade que importa.
  • A tecnologia não é mais um marco divisório entre as gerações: pessoas com mais de 50 anos compõem o grupo que mais cresce nas mídias sociais. Em se tratando de seres híbridos que somos (com a biologia, a eletrônica e a mecânica integradas em nossos corpos) temos que ser considerados por nossa própria identidade e não por padrões etários.
  • A inserção tecnológica legitima cada vez mais a validade do ser humano. Ser digital passa a ser mais importante do que ser etário. Pela primeira vez na nossa história, crianças e adolescentes passam a ter autoridade de conhecimento sobre os adultos. O que então passa a definir as gerações? Elas continuarão existindo?
  • No mundo transetário, as tecnologias exponenciais nos permitem ter mais tempo (como nunca imaginamos) e nossas realidades objetivas estão cedendo lugar às realidades subjetivas. Assim nossa percepção do tempo passa a ser pela qualidade da experiência (tempo Kairos) mais do que pela quantidade cronológica (tempo Chronos). A cronologia será menos importante do que a experiência.

Está na hora de repensarmos velhos mantras condicionantes de falsas identidades. Por que não começamos a nos planejar para nos desenvolvermos em vez de nos preparar para envelhecermos? Por que em vez de representarmos gerações não integramos todas as idades em clusters de soluções e marcos de transformação planetária?

É bem possível que tanto a integração etária quanto o relacionamento intergeracional pode gerar abordagens transdisciplinares transformadoras para os desafios complexos do mundo.

Quando nos libertarmos dos padrões que nos são impostos pelos ditames mercadológicos criados pelos técnicos de marketing, estatísticos e demógrafos, poderemos reduzir os estereótipos que os adolescentes têm em relação aos idosos e da intolerância que os idosos têm em relação aos adolescentes.

Necessitamos de condições adequadas que comecem na base da educação e que possam promover interações saudáveis e criativas entre todas as gerações, reduzindo barreiras, reunindo interesses e propósitos comuns que transcendem as idades.

Era transetária

Na era transetária o que passa a lhe definir? Os institutos de pesquisa ou sua narrativa pessoal? Como gerar valor para o mundo a partir de sua rica realidade multifacetada?

O que o seu futuro preferível lhe apresenta nos próximos 20 anos? Envelhecimento ou desenvolvimento? Anos de vida ou realização?

Quando você pensa no que tem adiante, consegue ir além da idade que tem?

Quando não nos fixamos nos limites alcançamos territórios muito mais amplos. O mundo transetário nos liberta das amarras do tempo e nos abre novas fronteiras para irmos além.

A transformação etária é inevitável e dela está brotando a revolução transetária. Imaginar e sonhar hoje é o caminho para criar o futuro desejado amanhã, com menos barreiras artificiais impostas por classificações etárias, de gênero, raça, religião, ideologia e classe. Precisamos de conexões humanas mais genuínas porque é na autenticidade das nossas relações é que poderemos responder com vigor os múltiplos desafios e sermos mais felizes.


Rosa Alegria é futurista e CEO da Pangera, startup que promove relacionamentos intergeracionais saudáveis e criativos.

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